sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O regresso do Principezinho

- Tu amas alguém?
Estremeci. Não pela surpresa arrepiante de uma voz inesperada. Tão pouco de irritação raivosa por ser essa mesma voz - e a pessoa que a fazia vibrar, como se fosse um chicote feito de penas macias - inoportuna e quebrantadora do silêncio sagrado e morno daquele fim de tarde à beira-mar, somente interrompido, antes, embalado pelo sereno marulhar das ondas... Não. Estremeci por ser uma voz fria, segura e firme como uma coluna de travertino rubro e férreo, e ao mesmo tempo macia, quente e enleante, encantatória como a mais suave das melodias que um cisne pudesse cantar àquela hora da morte do Sol.
Voltei-me. Não foi a vontade própria que me fez voltar o rosto e o corpo que tinha captado, pela audição, a direcção de onde tinha partido aquela voz. Foi uma fina mistura de terror, atracção e encantamento. Parecera-me ter ouvido a voz de algum dos deuses de um mundo superior e etéreo. Mas soara tão humana!
Voltei-me. Sem firmeza nem clareza, um tanto rouco pela ausência se articulação vocal em que estivera envolvido durante toda a tarde, fiz vibrar nas cordas vocais um 'ãhh!' irritado e desapontado. Eu. Era só uma criança.
- Olá - a voz já mais clara e recomposta - Que fazes aqui sozinho - pareceu-me um rapazinho - a estas horas?!
- Tu amas alguém?
Estremeci de novo. Não fora um deus qualquer que falara. A voz era sua, daquela criança. Olhei-o. Estava ali, de pé. As mãos descaídas ao longo do fino tronco de um corpo-já-não-de-criança e ainda-não-de-adolescente, indefinível. O rosto fino e terno, inocente, com uma expressão de alegria serena e de seriedade firme no propósito que queria transmitir com o olhar. Este estava fixo em mim e para além de mim; atravessava-me, límpido e penetrante como luz das estrelas, entrando quase sem querer, porém invadindo suavemente os recônditos mais íntimos do pensamento e do coração. Não saberia dizer a sua idade. Era eterno. O tempo não era uma dimensão que o afectasse, limitando-o à condição de fenecer, de perecer.
- Como?!
Eu tinha ouvido bem e entendido o significado dos sons. Não o sentido, é claro. O sentido estava muito além do Sol poente e da estrada de luz que ele projectava sobre o mar. É lá que mora a verdade. Foi para o Sol que voltei o rosto, na esperança de que ele soubesse a resposta...
- Tu amas alguém? - insistiu ele, que nunca desistia de uma pergunta.

2 comentários:

Anónimo disse...

Uma interrogação para mim!
Nas diversas situações da vida:
compreendes e amas; ou amas-te?

Custódia disse...

Uma certeza vou tendo
E nela eu vou vivendo
Que é amar para ti?
É ir morrendo para mim
Abrir o meu coração
Acolhendo cada irmão
Serei feliz assim