sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Se vida fosse


Trago sempre ocupado o pensamento
Por um poema que não sei dizer
Por certos versos que não sei verter
Em regras inspiradas plo Talento

Não são versos de ledo e grato alento
Também não são de Amor, por não o ter
Nem são rimas de ouvir, olhar ou ver
Talvez sejam de dor e de tormento

Não sei como começa tal soneto
Se é vida ou se é pensar ou se é sentir...
Não sei onde me leva tal canção

Sabe o lápis o que sente o coração?
Se não for a Morte, ela, que há-de vir
Ouse alguém dizer como o completo

sábado, 22 de janeiro de 2011

Tocarei a pedra - Sophia












Tocarei o chão
Antes de ser folha de Outono
Porque não me saciei
Na opulência regurgitante
Da cor rubra, sanguínea
Dos frutos maduros
Tocarei o chão
Na tristeza outonal antecipada
Amada e bela
Cortado por raios de luz oblíqua
Intensa e cálida como nunca
E tão vítrea e gélida
Tocarei o chão
Desamparado
Porque não aprendi a dança do vento
Tocarei o chão
Porque não haverá o gesto ancestral
Cumprido pelas mãos nodosas e trémulas
De uma mulher vestida de chita usada
Sustendo as pontas de um avental
Para recolher no regaço
Os restos de uma vida
Tocarei o chão
Porque o chão é o lugar

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O regresso do Principezinho

- Tu amas alguém?
Estremeci. Não pela surpresa arrepiante de uma voz inesperada. Tão pouco de irritação raivosa por ser essa mesma voz - e a pessoa que a fazia vibrar, como se fosse um chicote feito de penas macias - inoportuna e quebrantadora do silêncio sagrado e morno daquele fim de tarde à beira-mar, somente interrompido, antes, embalado pelo sereno marulhar das ondas... Não. Estremeci por ser uma voz fria, segura e firme como uma coluna de travertino rubro e férreo, e ao mesmo tempo macia, quente e enleante, encantatória como a mais suave das melodias que um cisne pudesse cantar àquela hora da morte do Sol.
Voltei-me. Não foi a vontade própria que me fez voltar o rosto e o corpo que tinha captado, pela audição, a direcção de onde tinha partido aquela voz. Foi uma fina mistura de terror, atracção e encantamento. Parecera-me ter ouvido a voz de algum dos deuses de um mundo superior e etéreo. Mas soara tão humana!
Voltei-me. Sem firmeza nem clareza, um tanto rouco pela ausência se articulação vocal em que estivera envolvido durante toda a tarde, fiz vibrar nas cordas vocais um 'ãhh!' irritado e desapontado. Eu. Era só uma criança.
- Olá - a voz já mais clara e recomposta - Que fazes aqui sozinho - pareceu-me um rapazinho - a estas horas?!
- Tu amas alguém?
Estremeci de novo. Não fora um deus qualquer que falara. A voz era sua, daquela criança. Olhei-o. Estava ali, de pé. As mãos descaídas ao longo do fino tronco de um corpo-já-não-de-criança e ainda-não-de-adolescente, indefinível. O rosto fino e terno, inocente, com uma expressão de alegria serena e de seriedade firme no propósito que queria transmitir com o olhar. Este estava fixo em mim e para além de mim; atravessava-me, límpido e penetrante como luz das estrelas, entrando quase sem querer, porém invadindo suavemente os recônditos mais íntimos do pensamento e do coração. Não saberia dizer a sua idade. Era eterno. O tempo não era uma dimensão que o afectasse, limitando-o à condição de fenecer, de perecer.
- Como?!
Eu tinha ouvido bem e entendido o significado dos sons. Não o sentido, é claro. O sentido estava muito além do Sol poente e da estrada de luz que ele projectava sobre o mar. É lá que mora a verdade. Foi para o Sol que voltei o rosto, na esperança de que ele soubesse a resposta...
- Tu amas alguém? - insistiu ele, que nunca desistia de uma pergunta.

Na sala de espera
Lugar a que chamam vida
Antecâmara da mudez
Inteira
Lugar de todas as palavras
Ausência de todo o sentido
Absoluto
Definitivo
Procuro o silêncio exacto
Procuro a palavra necessária
Em que a minha alma ecoe